quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Marcos Sarieddine: minha vida por um amigo

Uma vida por um amigo. Assim seria o romance que eu escreveria para este cara, uma narrativa sobre ele e, simultaneamente, eu. Somos amigos por gerações, parentes por afinidade, desde que nascemos. Sempre estivemos juntos. Nossos pais eram amigos, todos eles psicólogos, éramos uma certa comunidade. Brincamos aos 2 anos, antes dele passar uns 4 anos na França. Depois que ele voltou, estamos juntos. Fizemos praticamente tudo-juntos nesta vida. Brincamos muito, conversamos, aprendemos, pensamos e gozamos a vida. Foi Miojo, por conta do cabelo, Marcoso, coso, zette, que sua irmã trazia da França e por fim nanquim e kim, pra mim ficou kim. Preponderantemente i e também zen com ares de chinês.
Uma das primeiras memórias que tenho são suas meias trocadas, cada uma tinha uma estampa e ele não notava. Ou não se importava. Marca de sua personalidade. Tivemos grupos vocais para apresentar em festas quando criança (Os taiobas), viajamos muito para a praia e para o interior. Conversamos sobre tudo, nossas paixões, as platônicas e as do corpo e sobre o cosmo. Compartilhamos o pensar a vida no dia a dia. Certa vez, numa praia, um menino gari trabalhando se aproximou e perguntou o que fazíamos. Eu disse que estudava literatura, as histórias que as pessoas contam, Marquinhos respondeu que estudava filosofia. O menino fez cara que não entendeu o tal de filosofia. Marquinho então continuou perguntando ao menino o que é? O que é você? O que você pensa que é você? O seu ser?  O menino estranhou aquelas indagações e partiu em disparada...
Um dos grandes ensinamentos que tive estando ao seu lado, se deu quando sua mãe morreu. Tínhamos em torno de 13,14 anos. Sua mãe teve câncer, e já depois de algum tempo, se encontrava no hospital ciente de que morreria. Marquinhos passou com ela estes momentos finais. Quando nos encontramos ele estava sereno. Eu não me continha com aquela injustiça divina e ele estava ali, seguindo seguro. Horas depois conversamos e quando eu perguntei sobre o que ele tinha pra si naquele momento, respondeu que havia conversado com sua mãe, que era budista, e que ela estava bem. Ela dizia estar tranqüila pois ele era um menino bom e criado.
Optamos também juntos pela arte. Que eu me lembre cursamos juntos escolinha de futebol, kung fu, a universidade, mas o que de alguma maneira sempre nos colocou juntos foi a arte. Vendo filmes, trocando livros, tocando violão ou pensando e escrevendo poemas juntos. O consumo de maconha acompanha este período que se inicia com a arte. Sempre estivemos juntos fumando e cantando. Claro, sem muito rigor nos estudos, mas nos deliciávamos com as canções. Todas nossas viagens tinham um violão. É verdade que pouco compusemos. Marquinho me parece uma pessoa sem ambição. Zen no sentido de um certo desapego, sem vaidade. Claro que ele tem lá suas composições, porém ele não se mostrava apaixonado por compor taradamente. Não apega demais e também não sofre. Poucas as vezes inclusive vi Marquinho sofrendo agudamente. Tampouco brigar. Nós mesmo, discutimos, de leve, uma vez. Aprendi com esta estabilidade dele.
Para o novo disco que a turma prepara, kim tem duas canções maravilhosas, além de outras coletivas. A primeira é “Alucinado” onde ele conta de uma forma beatlemaníaca uma viagem de ayahuasca com reflexões filosóficas. A segunda é uma chanson française chamada “les choses de la vie” feita com o Bruno Leal, que o kim é extremamente feliz nas imagens e na métrica da letra.
Agora, o que ele gosta, gosta mesmo, é de amar a mulher. Considerado calado, ele sempre se exaltou ao ver ou conhecer uma garota. Naqueles momentos víamos muito de sua inteligência. Conversava sobre qualquer assunto, bem e confiante. Posso dizer que desenvolveu sua arte com as relações. Uma de suas músicas clássicas neste sentido é “Samba para Joana”, onde ele conta no vai e vem do samba a tristeza de uma paixão. Desde que conheceu a Carol, ele se apaixonou. Fazia questão de estar na reunião que ela estaria. Hoje eles têm a Leila, que retoma o nome de sua mãe tornando a roda da viva a girar.
Claro que o desejo pelo saber também sempre foi um ponto de encontro forte. Tivemos grupos de leitura de Freud, lemos com os amigos peças do teatro Grego. Tivemos o prazer com os Vagabundos Iluminados de publicarmos nossos próprios livros de poesia e fomos uma pessoa só com o Miguel.

Um amigo, o amigo, a grande definição de amigo. O que vivemos juntos. Talvez por este motivo ficamos tanto tempo lado a lado em silêncio. Como diz o poema de Leminsk, chamei um amigo para um chá, ele veio, ficou meio a esmo e ficou por isso mesmo. Sempre nos encontramos pelo próprio sabor do encontro. Muitas vezes sem objetivo, só pelo simples desejo de estarmos juntos, uma volta para comer um sanduíche e uma resenha do dia.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A hora e a vez de Belo Horizonte: canto do povo de um lugar




Agora chove lá fora. Faz um pouco de frio, uma certa melancolia paira no ar. Entre as serras de minas, muita tristeza por barragens da escravização de nossa história. Mas não se iludam. O sol sempre voltar a raiar! O carnaval sempre vem... e este carnaval, com passado, presente e que virá, é a hora e a vez de Belo Horizonte. Gigante em números, e com a vontade de todos, ele tece aos poucos uma tessitura própria. Fiquem atentos, por todos os lados nascem músicas. Cada bloco uma canção! Uma visão de mundo. Carnaval multiplicai os blocos.
Pluralmente, explodiu o movimento das ruas. O pacato mineiro quer carnavalizar. Jogar o corpo na rua. Cantar o que seus olhos veem. Nossa cidade, nossa saciedade. O Rio de Janeiro teve seus tempos e sempre os terá, o Rio de Janeiro continua lindo. Recife tem frevo há cem anos. O carnaval dos carnavais. E a Bahia, ah a Bahia, A Bahia foi tudo pra nós! Eles mostraram a nós múltiplas formas de uma cena músical própria, fora do eixo. Libertária e emancipadora de seu povo. Eu sou negão. O mais belos dos belos sou eu sou eu. Minas também é! Preto que só ouro preto. Mas o ouro daqui não cobriu as peles. Nem a prata ta ta ta ta. Os Mineiros estão estrangulados, barrados no baile e necessitam botar pra fora. Soltar as vozes ativas. Viva os inconfidentes e seus poemas bárbaros e belos.
Agora é a nossa vez. Cantemos o que for preciso. Cantemos nossos povos, nossas causas. Ninguém vai nos barrar. Este carnaval é nosso e nós temos que cultivá-lo, não é Gutão? Não à mercantilização! Em prol da diversidade máxima, em prol da biodiversidade, para arrumarmos nossas casas que são a extensão das ruas. Santa Tereza em êxtase! E que depois a cidade faça a lavagem de todas ruas de pedras e das esquinas talhada por violões. O Concórdia abre o caminho da revolta, do retorno eterno da África mineira. Afoxés e terreiros, congados e mães de santo. O centro todo, todo dia. A praia da estação 24 horas mil grau. A mata e o planalto, o jardim américa, floresta toda. A savassi savasseia por bares e requintes serpenteando até Santo Antônio. As Santas todas. O Taquaril e a Renascença! O Tupi e o Riberão do Onça. A Pampulha e a praça da Liberdade. A rua da Bahia, e a bahia na rua. O barreiro, barreiro. ACORDAIS CIDADÃOS DE BELO HORIZONTE!
Belos Horizontes, as canções fotografam impressões sobrepostas a tudo que já cantávamos das outras cidades carnavalescas brasileiras. Belos Horizontes, para uma mobilização de afetos e encontros pelas águas, águas gerais. Belos Horizontes, muito além dos clubes e das esquinas. De sonhos jovens posto que sonhos não envelhecem.
Esta é a hora e a vez de Belo Horizonte, num carnaval de mulheres amazonas maravilhosas sagradas e profanas, onde não é não!, e Simone de Beauvoir desfila em corpos desnudos. De homens travestidos e afetivamente dóceis. Da pluralidade de gêneros e de toda maneira de amor vale a pena. De coletivos fortes. Num carnaval que traz do interior do nosso estado (de almas), surrado e obviamente barrado, das cidades históricas desmineralizadas, um povo grandioso que quer vir para o capital. Onde a grana gira e que se bobear engana a todos redondamente. Não me amarra dinheiro beleza pura. E que tem tudo para receber doses e doses de Belo Horizontes. De um povo que ri quando deve chorar, aberto ao outro e potente quando é o caso da poesia. Tinha um carnaval no meio do caminho...
Que as canções nos inundem cada vez mais, vamos nos ampliar nos espelhos do desejo pois essa onda ninguém segura. O cover é finito, a criação é infinita. Quem canta seus males espanta! E a vida, e a vida o que é diga lá meu irmão?


quinta-feira, 7 de junho de 2018

Gustavito, porta-voz de um belo horizonte



Escuto agora a música Amor e Paz de 2016 de autoria de Gustavito. Emocionado penso que o cara conseguiu resolver um dilema posto pra mim por Vinícius de Moraes. O poetinha na música em Tempo de Amor, afirma: “mundo enganador, paz não quer mais dizer amor”. E Gusta soluciona com “não é amor se não traz a paz”. Corta!
Há anos atrás, talvez 2010, não sei ao certo, numa conversa com um grande amigo, Rafael Martini, ele dizia que estava entusiasmado com um grupo de músicos com os quais estava convivendo. Rafa, que é uma referência musical de Belo Horizonte, dizia que era impressionante a frequência com que eles compunham canções de qualidade. Pra mim, escutar aquilo do Martini, era algo para ser levado a sério. Um grande compositor e arranjador como ele elogiar um pessoal assim era coisa rara.
Aos poucos fui entrando em contato com aquelas pessoas que ele comentava. Primeiro cheguei ao grupo Urucum na Cara. Infelizmente, não tive a oportunidade  de assistir a um show deles. Escutei algumas coisas na internet. Pela primeira vez, eu conhecia nomes como o do Gustavito, da Irene Bertachini, do Leandro César e do Paulo César, o Anjinho. Pouco tempo depois, por acaso, tive a satisfação de jogar umas partidas de futebol com o Anjinho e pude conhecer melhor o trabalho dele. Soube, então, que tudo o que eles criavam era gestado na Casa Azul. Um olho d´água belo horizontino.
Eu começava a entender o porquê do entusiasmo do Martini. Flores Maçãs é o disco do Anjinho, que tinha já muitas preciosidades e uma maneira independente de produção em seu cerne. Anjinho me explicou que ganhou coragem para produzir seu primeiro disco com o pessoal da Casa Azul e com outro amigo da turma, LG Lopes, que merece um capítulo à parte.
Bom, todo este preâmbulo foi para dizer que, neste percurso, conheci Gustavito. Fui a uma festa no bairro de Santa Tereza, se não me engano na casa de Flores Lopes, irmã de LG, e lá, pela primeira vez, vi o Gusta. A cena: um cara de barba despojada, com cabelos desgrenhados, estava jogado de maneira doce sobre uma menina bela de olhos verdes. Os dois riam muito. Uma imagem digna de Woodstock. Minha lembrança é de um sentimento alegre e bonito por conta da jovialidade e da descontração dos dois. Soube, então, que aquele era o Gustavito. Neste noite, o cara tocou o violão e destilou composições próprias e outras da tradição com muita habilidade. Corta.
Algum tempo depois fui ver o Gustavito lançando seu primeiro disco Só o amor constrói. Gostei muito do que presenciei, principalmente do afeto envolvido em todos que estavam fazendo o espetáculo. Dava para sentir uma áurea comunitária muito bonita ao redor do disco. Tudo trazia sinceridade para aquele título. Mas, para meu corpo, ainda não havia uma potência arrebatadora nas composições. Lembro da impressão de que faltava no disco uma certa consistência. Mais nas letras talvez...eu não via ali uma poética tão redonda e contagiante. Curti muito coisas pontuais. Adorei escutar o disco, mas  não o coloquei entre os da minha cabeceira. A música Juriti, um hit para aquela plateia, tinha uma força, um suingue, e uma composição cativante, que já apontava algo que, só mais tarde, percebi quando experimentei seus outros trabalhos.
Mais ou menos na mesma época, assisti ao show de um outro grupo que Gustavito fazia parte: O TiãoDuá. Ai sim me identifiquei completamente. O Power trio, ala Hendrix com Samba Rock, formado por Juninho Ibituruna, LG Lopes e o Gusta me comoveu bastante. Ali também havia parcerias com Anjinho. Um alquimia especial. A musicalidade Gustavito se ampliava para os meus ouvidos.
Antes de chegarmos ao segundo disco, Quilombo Oriental, é preciso contar de uma história que está no meio disso tudo. Neste intervalo, nasce em BH, junto com o boom do carnaval de rua, o bloco PPK – o Pena de Pavão de Krishna. Criado por amigos em comum, passei a encontrar com o Gustavito nos ensaios. Foi um momento maravilhoso de muita espiritualidade, os ensaios rituais. Comecei a conhecer uma grande pessoa, de espírito generoso, paciente e belo. Com uma musicalidade visível, Gustavito era central no ensaios, conduzindo com seu violão as harmonias e linhas vocais para que o grupo percussivo pudesse dar corpo ao repertório escolhido com muito esmero. Nascia pois uma mistura afrobrasileira, com uma mística indiana e indígena, raios de tropicalismo.
O bloco cresceu, ganhou as ruas e o público. Ensinou para muitos o respeito à canção como um fio condutor aos deuses. Rito, mito e ritmo. Com intuito de também criar seus hinos, músicas foram compostas para o bloco. Participei fazendo com o próprio Gustavito a canção Aflorou. Lembro bem que conversamos muito sobre a certeira mistura de tradições que se dava ali naquele terreiro, onde ensaiávamos debaixo de um abacateiro. E neste contexto frutífero, Anjinho nos apresenta Quilombo Oriental. Uma síntese perfeita da conjunção astral que se ali dava. Logo estas músicas, junto com Masala com Dendê, feita por Gustavito e amigos, tornam-se repertório do bloco. É maravilhoso reconhecer nestas canções uma antropofagia clara das culturas do sul do Equador. América do sul, África e Índia se confluem em cores solares e deuses variados com uma unidade estética. 
Gustavito, então, assume a grandiosidade de seu momento e do que vivemos com o bloco. Lança com os amigos da Casa Azul o disco Quilombo Oriental. Disco que tem uma beleza incrível. Tudo é extremamente amarrado e forte. A partir da ideia real do quilombo oriental, este trabalho ganha uma força conceitual muito bem lapidada. Não só as canções, os arranjos são extremamente desenhados por várias cabeças. E o coral, ah o coral, canal de ar para o espírito, as três meninas preenchem o etéreo com beleza:  o coral das meninas é demais. Todo o projeto do disco contribui, a arte gráfica e o cenário do show dialogam de forma precisa. Colagens mitológicas: A flor de lótus, as flores, a vaca, a zebra, o tambor. Altar e a Bença com as roupas de África.
Adorei. Eu realmente tenho neste disco um objeto de afeto. Foi das coisas mais alegres que vi na música de tendências tropicais desde Caetano e Gil. Um quê de baiano, na dose certa. Mineiro, mas não muito in, gosto do ex dessa pegada. Extravagante, expansivo, extrovertido. Um viva a toda forma de amar: a parada é multicolor, eclética e múltipla. Antes de tudo as cores vivas. Vivo no meio dos vivos. As terras mapa mundi do Brasil, sem fronteiras. Quilombo oriental é um cristal. Comunidade, experiência potente compartilhada com cada um que se aproxima do Gusta. Eu sou com você Gustavito. La music avant toute chose, simbólico, sentido, com muito sentido. Sinal verde, vai...
-->

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Eu sou canção



Foi isso que conclui. Posso dizer que não era MPB. Mas é próximo disso. A língua é o português. Claro, de viés. No word dizia português brasileiro, gostei. Minha pátria é minha língua, fala mangueira. Tudo começou com meu gosto de escutar música. Ficar cheio de sensação. Meu pai também sentava comigo para apresentar um disco ou contar histórias. Eu ficava vidrado nos discos dele. Livros, filmes e discos e deixem que digam que pensem que falem, eu não tô fazendo nada, você também.
      Virou um tipo de obsessão. Consumiu minha linguagem. Tudo era frase feita de canção. Meu pensamento pensava canção. Para cada momento uma canção, com tom de vinheta de rádio. Começou a me preocupar, mas eu amava, como amava algum cantor. Cantei, cantei demais, até ficar com dó de mim. Escutei e prestei atenção em tudo que eu podia. Aos poucos, entendi que uma palavra poderia desencadear o processo da memória. Às vezes um som, palavra que nem tornou ainda, e como desenho sonoro, trazia uma frase musical e logo uma nova canção. Estaria o mundo todo descrito nas canções. Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção?
        De um prazer de lembrar e saber de cor, passei a constituir um tique nervoso e perturbar as conversas. Eu cantava por cima do diálogo. Fazia trocadilhos baseado nas canções. No início, eu conseguia esperar certo ponto final e ai sim cantar, mas aos poucos eram tantas as conexões que eu precisava falar nas vírgulas também. Como você pode notar estou melhor na escrita. Música é som. A escrita é mais silenciosa, mas de repente vem. Mesmo eu no meu automóvel. O profundo silêncio da música. Ainda na época que eu sentia prazeres controláveis, eu entendi que Caetano e Milton estavam pra mim como oráculos. Eu tinha uma pergunta e uma letra aparecia para me indicar um caminho. Claro, só sinalizava, eu interpretava. Um tarô sonoro. Eu sonhava acordado, um jeito de não sentir dor. Nem tão Cazuza assim. Os dizeres poéticos dos dois primeiros me arrebatavam mais. E ainda é assim. Como ver o mar, a primeira vez. Aos poucos, veio o Gil com muita força. Imagina que cada um desses são centenas de canções, poemas intensos, rezas, lamentos, alegrias que moram no ar.  
        Chega uma hora que a gente se perde. Rir pra não chorar. Não se esqueça de mim, não se perca de mim, não desapareça, e eu não mais falava com minha linguagem. Dizia com clichês, colagens, restos de canção. Meu coração não se cansa. A casa lá na fazenda. Contra a luz do sol não tem argumento. O sol há de brilhar mais uma vez. Uma coisa puxa outra. O mais profundo ficava sendo a superfície. Com vários pontos de vista. Óculos escuros para minhas lágrimas esconder. A rima é vibração mágica concreta. Quantas não são as rimas em ão. Ou em ado. Particípio passado. Na prosa de Joyces e Rosas, nas textualidades, tramas textuais, onde o ponto, a costura deve ser seguida, senão não tece. Aranha tece puxando o fio da teia. Muita gente desconhece ô lara viu, muita gente desconhece. Eu agradeço ao povo brasileiro, mas tudo é muito mais. A língua deixou de ter território, mas tem limites. Eu sabia que as possibilidades sim são infinitas. Sim, mesmo com minha perdição, eu criava cada vez de novo. Por um momento meu canto contigo compactua. Lua. Lua. Lua.
      Em determinadas épocas uma saída era estar sempre numa roda de violão. Cantar junto com todo mundo. Quanta emoção! O importante é que emoções eu vivi. Mais do que eu, como nossos pais, a tristeza que é senhora desde que o samba é samba. Samba que na minha terra deixa a gente mole. E cria a moral: quem não gosta de samba bom sujeito não é. Eu estava direto no samba. Bamba, bom. Ê semba ê, semba ah...solução por um tempo, senhor tão bonito, tempo, tempo, tempo. Nos dias quentes, sempre tem samba bom. Se fizer bom tempo amanhã, eu vou...chove chuva, chove sem parar. Benjor sempre foi alegre. Mesmo quando o seu amor o deixava. Eu gosto dela mesmo assim. Um que ficou tipo eu foi o Bosco. Vazia rabo de tatu, língua de porco, belzebu, se bem que devia ser coisa do Aldir. Samba bom. Samba rebuscado e barroco. Eu voltava cantarolando algo quando acabava uma roda. Ali estava em casa, adorava a minha casa vive aberta, abre fecha as portas do coração. O mestre Vinicius. Às vezes ficava fossa, às vezes bossa, às vezes só charme, melodia gostosa e pensamento na paisagem do Rio de Janeiro, que continue lindo!           
       Estou morrendo de saudade. Como vocês estão vendo, hora ou outra vialinguagem torna louvação. Louvo a amizade disso que escrevo agora que comigo há de morrer. Adeus, vou pra não voltar. Sei que vou sozinho. E assim vejam vocês as cristalizações. Belas. Lindas mais que demais. Sabe gente é tanta coisa que eu não sei dizer. Toda dia ela faz tudo sempre igual. Não confundam, a mulher com minha viagem. Falo do eterno retorno. Pequeno da linguagem. Sempre novo, sempre malandragem, e eis o malandro na praça outra vez. Bate outra vez. Já vai terminando o verão enfim. As rosas não falam. Eu me perdi na selva de pedra. Tente outra vez, hahahaha...elas conversam entre si. Na escrita, toma forma de uma coisa automática, tipo surrealista, porém diferente por conta da poética das letras. São de sentido, mesmo que cinematograficamente entrecortadas. Algo que se persegue, encaminha, arrasta, para uma paisagem bem nossa. Nossa está alargando. Quem é nós?
        Sabe que com o tempo, as canções dos amigos também passaram a me compor, mais próximos, minha geração, também passei a criação. Geração coca-cola, escapuliu. Geração graveola. Outras cidades e Pra lá do radar da paranóia. Os moralistas estão chegando, que vem colado nos alquimistas estão chegando. Jamais se submeta a mim, eu posso te escravizar. Vi então uma época que renovava as frases, com um efeito menor, entre estados novos d´alma. Nem sempre amigos de outros estados sabiam, talvez mais múltipla, talvez mais pulverizada. E quando estive, não me vi, era a paisagem. No carnaval, te conheci, transcendental, te seguir...
       Nela estava uma possibilidade de comunidade. Das mais fortes, esta linha que me conduz, não é a mesma para outros e também o é, interseções muitas, referências em comum. É o que pode jogar mundos no mundo. Ou todos numa pessoa só. Ele quem é ele, esse tal de rock´n´roll. E meu relógio parou. Tradição. Conheci uma garota que era do babarbalho, uma garota do barbulho. Namorava um rapaz que era muito inteligente. Comportamento. O que será que será? Um gigante como Homero, cantado na lira desvairada em nome de um tal pau-brasil, que eram vários, variadas árvores, floresta tropical. Beirava, estou ciente, ao louco, mas louco é quem em diz que não é feliz e eu continuava. Independente da minha vontade, um homem pode ir ao fundo, do fundo, do fundo se for por você. Você. Quantas vezes você. Você viu só que amor. Só tinha de ser com você. Você abusou. E quem, quem também. Quem? Quem te viu, quem te vê.
        A psicanálise também entrou no amálgama. O afreudisíaco Lacan confirmava a atração das palavras. Ainda mais com o som. La langue, la music avant toute chose. Uma letra escrita na estruturação do menino do rio. Quando eu te vejo, eu desejo, seu desejo. A poesia língua nossa mãe, pai da ordem, terra. Sem ti me consumiria a mim mesmo eternamente e de nada valeria, acontecer deu ser gente e gente outra viagem, diferente das estrelas. Não é que eu seja sem rumo, sem norte, sigo a meta, tenho uma estrela, coração de poeta. Junto no cancioneiro dos estados de alma da paisagem. Quem sabe de mim sou eu, aquele abraço. Mal secreto. Uma canção capaz do olhar agudo da teoria. Que via o que não se via, comovia mais que tudo. A verdade da repetição do prazer de ouvir o que se diz. Concretamente irmãos campos, suprimindo as ideias e as outras paralisias, pelos roteiros.
       Canto indígena que pelo silêncio dizia. Então não é só de português que se vivia. Ninguém ouviu o soluçar de dor no canto do brasil. Negro nagô. Canto ritual, espiritual, canto antes tudo. Universal. Grito, urro primal, Guiné Bissal, Moçambique e Angola. Maxakali, Huni Kuin, Yanomami. Cantar é escrever o mundo com a voz. Conversar com as plantas e animais com a voz. Imitar o pássaro. Txaná. Uma pássaro que sabe o canto dos outros é o que quero ser. Sem direito autoral. O canto que cura. Cantando eu mando a tristeza embora. Quem canta seus males espanta. Om do todo. On. No início era o canto e se fez verbo. Fortalece o canto em português uma melodia da herança.
       Eu um simples corpo, vazado pelo ar, preenchido pelo canto, recheado de palavras. Não havia mais como escapar. Preso ou livre. Constatei que era isso. Deuses escolhiam os caminhos guiando o sentido por uma complexa trama entre o som, o silêncio e a palavra. Aedos, trovadores, rezadores. Um chão vinha comigo, muita além da verdade. Cancionava-me. Quando não havia de jeito nenhum uma frase melolavra que dissesse o que meu corpo precisava, faltava algo, e quando de muita intensidade, pulsava e ainda pulsa um relevo que misteriosamente surgia. Algo ensinou. Na incompreensão eu não me sabia. Diluído canto. Eu sou canção.        

Seguidores

Quando sou eu

Minha foto
Quando me encontro com a beleza!