Era uma noite
especial em Diamantina. Primavera de 2014. Depois do show “Noturno” de Marcos
Braccini, eu reencontrava com um amigo: o Volum’s, mais tarde, denominado
formalmente como Rafael Martini. Se não me engano fazem quase 10 anos que não
passávamos uma noite juntos, claro, nesse tempo tivemos rápidos encontros
esparsos, mas realmente fazia muito tempo que não exercitávamos nossa amizade.
Fomos para um
bar extremamente afetivo para o Rafa, um bar musical chamado Meio Tom. O bar é
de uma irmã torta dele, mas essa é uma longa história. Uso torta por conta da
expressão usada na noite para definir rapidamente a relação. O importante é que
eles se amam e tudo engrandecia aquele encontro. Momentos antes o Rafa havia
dado uma entrevista para um documentário sobre o
noturno de Braccini e dizia o quanto minha amizade com ele aproximou os dois.
Tudo extremamente simbólico.
No
passeio do Meio Tom bebiam várias pessoas em mesas na rua, quando ouvimos o
piano no andar de cima. Eu, já um pouco embriagado, subi e logo voltei a ver
aquelas mãos. Como num grande flashback cinematográfico, recordei das diversas
vezes que vi aquelas mãos tocando. Primeiro foi o violão
onde meus olhos pousaram sobre aquela mão. Praticamente iniciamos juntos na
arte do violão. Mas o Rafa, claro, continuou estudando determinadamente. Uma
cena marcante pra mim aconteceu numa noite em que
ensaiávamos na casa dele no Jaraguá, nos idos de 1999, para a banda que
tínhamos no Colégio Técnico onde estudávamos. O objetivo era tocar a música
Haiti de Caetano e Gil. O Rafa trabalhava firme para tirar a canção e eu olhava
sem entender bem os caminhos que ele percorria. No fim, depois de algumas idas
e vindas, cantamos juntos emocionados. Nem sei se sabíamos a grandeza daquela letra.
Sempre foi
mágico ver o Rafa tocando, não sou só eu que penso assim. A torcida do Atlético
e do Cruzeiro, caso conhecessem sua música também
concordariam comigo, mas não acho que é isso o que interessa pro Rafael
Maritni. E sim o que Hermeto está fazendo, seu amigo Felipe José ou o
Gustavito. Quem está compondo o quê, com que qualidade. O Rafaé antenado em
tudo que acontece ao seu redor e com grande sensibilidade sabe dialogar. Sempre
fiquei encantado como ele falando de músicas populares, canções simples, que eu
não imaginaria que ele escutasse. Como um júri de festival da vida musical que
analisa a harmonia e a melodia do que se produz por aí, mas sem competição, só
deleite, intercâmbio e fascínio.
Destes 10 anos
pra cá o cara arranjou uma sonora paisagem nova para BH. É um monstro entre
aspas. Maestro da geração. Impressionista como um Debussy, um Ravel ou mais
brasileiramente como Tom ou Noel. Gotas, ventos, sensações, preguiça de dar Sono,
plainar. O Motivo do Rafa dá gosto. Engrandece o estado da música entre nós.
A mão que eu
falava continuava tocando piano no Meio Tom. Naquele momento o Rafa tocava Led
Zeppelin. No Quarter? Uma mística nos envolvia. O Led que ele tornou-se cover
ainda no colégio. Cantava como ninguém. Quem diria. Abalava o saguão da escola.
A primeira vez que ele apareceu pra nós foi cantando Bem que se quis, que na época bombava na voz de Marisa Monte. Claro
clichê. Tínhamos 16 anos.
Mão que aos
poucos, por conta de toda a sua história com o pai ausente, descobri negra. Mão
grande, cheia e de dedos longos, com um formato que identifiquei em outros
grandes músicos. Mão que tão ritmicamente sincopava, repicava ao piano tocando
o Pato Preto, já com a banda Quebra-Pedra. Inclusive, este é um outro capítulo.
Rafa e Loló. Leonora Weissmann. Se não me engano os dois se conheceram nesta
época. A banda deles foi fazer uma residência na fazenda de minha família. Por
lá talvez tenham composto, por lá Loló pintou árvores.
As mãos, então,
passaram a mais uma música e eu já estava na sala de Tetê, a Terezinha mãe do
Rafa. Lá lanchamos diversas vezes, muitas delas cantando. Ali também ensaiamos
um grupo de música infantil que projetáramos. Criamos uma personagem que não
esqueço: Mariana Pirata.
Lá pelas
tantas da noite, a mão acelera no Jerry Lewis e as mesas cedem espaço, os
corpos passam a dançar. Toda uma noite ao piano. A irmã torta só ajeitando as
coisas para tudo sair o melhor possível com uma alegria com tudo. Naquela noite
nossa história rememorada sem uma palavra, apenas música. Um grande filme
dirigido por aquelas mãos que, graças a Deus, têm aquele coração maravilhoso
para coordená-las.