Escuto
agora a música Amor e Paz de 2016 de
autoria de Gustavito. Emocionado penso que o cara conseguiu resolver um dilema
posto pra mim por Vinícius de Moraes. O poetinha na música em Tempo de Amor, afirma: “mundo enganador, paz não quer mais
dizer amor”. E Gusta soluciona com “não é amor se não traz a paz”. Corta!
Há
anos atrás, talvez 2010, não sei ao certo, numa conversa com um grande amigo,
Rafael Martini, ele dizia que estava entusiasmado com um grupo de músicos com
os quais estava convivendo. Rafa, que é uma referência musical de Belo
Horizonte, dizia que era impressionante a frequência com que eles compunham
canções de qualidade. Pra mim, escutar aquilo do Martini, era algo para ser
levado a sério. Um grande compositor e arranjador como ele elogiar um pessoal
assim era coisa rara.
Aos
poucos fui entrando em contato com aquelas pessoas que ele comentava. Primeiro
cheguei ao grupo Urucum na Cara. Infelizmente, não tive a oportunidade de assistir a um show deles. Escutei algumas
coisas na internet. Pela primeira vez, eu conhecia nomes como o do Gustavito, da
Irene Bertachini, do Leandro César e do Paulo César, o Anjinho. Pouco tempo
depois, por acaso, tive a satisfação de jogar umas partidas de futebol com o
Anjinho e pude conhecer melhor o trabalho dele. Soube, então, que tudo o que
eles criavam era gestado na Casa Azul. Um olho d´água belo horizontino.
Eu
começava a entender o porquê do entusiasmo do Martini. Flores Maçãs é o disco do Anjinho, que tinha já muitas
preciosidades e uma maneira independente de produção em seu cerne. Anjinho me
explicou que ganhou coragem para produzir seu primeiro disco com o pessoal da
Casa Azul e com outro amigo da turma, LG Lopes, que merece um capítulo à parte.
Bom,
todo este preâmbulo foi para dizer que, neste percurso, conheci Gustavito. Fui
a uma festa no bairro de Santa Tereza, se não me engano na casa de Flores
Lopes, irmã de LG, e lá, pela primeira vez, vi o Gusta. A cena: um cara de
barba despojada, com cabelos desgrenhados, estava jogado de maneira doce sobre
uma menina bela de olhos verdes. Os dois riam muito. Uma imagem digna de
Woodstock. Minha lembrança é de um sentimento alegre e bonito por conta da
jovialidade e da descontração dos dois. Soube, então, que aquele era o
Gustavito. Neste noite, o cara tocou o violão e destilou composições próprias e
outras da tradição com muita habilidade. Corta.
Algum
tempo depois fui ver o Gustavito lançando seu primeiro disco Só o amor constrói. Gostei muito do que
presenciei, principalmente do afeto envolvido em todos que estavam fazendo o
espetáculo. Dava para sentir uma áurea comunitária muito bonita ao redor do
disco. Tudo trazia sinceridade para aquele título. Mas, para meu corpo, ainda
não havia uma potência arrebatadora nas composições. Lembro da impressão de que
faltava no disco uma certa consistência. Mais nas letras talvez...eu não via
ali uma poética tão redonda e contagiante. Curti muito coisas pontuais. Adorei
escutar o disco, mas não o coloquei
entre os da minha cabeceira. A música Juriti,
um hit para aquela plateia, tinha uma força, um suingue, e uma composição
cativante, que já apontava algo que, só mais tarde, percebi quando experimentei
seus outros trabalhos.
Mais
ou menos na mesma época, assisti ao show de um outro grupo que Gustavito fazia
parte: O TiãoDuá. Ai sim me identifiquei completamente. O Power trio, ala
Hendrix com Samba Rock, formado por Juninho Ibituruna, LG Lopes e o Gusta me
comoveu bastante. Ali também havia parcerias com Anjinho. Um alquimia especial.
A musicalidade Gustavito se ampliava para os meus ouvidos.
Antes
de chegarmos ao segundo disco, Quilombo
Oriental, é preciso contar de uma história que está no meio disso tudo.
Neste intervalo, nasce em BH, junto com o boom
do carnaval de rua, o bloco PPK – o Pena de Pavão de Krishna. Criado por amigos
em comum, passei a encontrar com o Gustavito nos ensaios. Foi um momento
maravilhoso de muita espiritualidade, os ensaios rituais. Comecei a conhecer uma
grande pessoa, de espírito generoso, paciente e belo. Com uma musicalidade
visível, Gustavito era central no ensaios, conduzindo com seu violão as
harmonias e linhas vocais para que o grupo percussivo pudesse dar corpo ao
repertório escolhido com muito esmero. Nascia pois uma mistura afrobrasileira,
com uma mística indiana e indígena, raios de tropicalismo.
O
bloco cresceu, ganhou as ruas e o público. Ensinou para muitos o respeito à canção
como um fio condutor aos deuses. Rito, mito e ritmo. Com intuito de também
criar seus hinos, músicas foram compostas para o bloco. Participei fazendo com
o próprio Gustavito a canção Aflorou.
Lembro bem que conversamos muito sobre a certeira mistura de tradições que se
dava ali naquele terreiro, onde ensaiávamos debaixo de um abacateiro. E neste
contexto frutífero, Anjinho nos apresenta Quilombo
Oriental. Uma síntese perfeita da conjunção astral que se ali dava. Logo
estas músicas, junto com Masala com Dendê,
feita por Gustavito e amigos, tornam-se repertório do bloco. É maravilhoso
reconhecer nestas canções uma antropofagia clara das culturas do sul do Equador.
América do sul, África e Índia se confluem em cores solares e deuses variados
com uma unidade estética.
Gustavito,
então, assume a grandiosidade de seu momento e do que vivemos com o bloco. Lança
com os amigos da Casa Azul o disco Quilombo Oriental. Disco que tem uma
beleza incrível. Tudo é extremamente amarrado e forte. A partir da ideia real
do quilombo oriental, este trabalho ganha uma força conceitual muito bem lapidada.
Não só as canções, os arranjos são extremamente desenhados por várias cabeças.
E o coral, ah o coral, canal de ar para o espírito, as três meninas preenchem o
etéreo com beleza: o coral das meninas é
demais. Todo o projeto do disco contribui, a arte gráfica e o cenário do show
dialogam de forma precisa. Colagens mitológicas: A flor de lótus, as flores, a
vaca, a zebra, o tambor. Altar e a Bença
com as roupas de África.
Adorei.
Eu realmente tenho neste disco um objeto de afeto. Foi das coisas mais alegres
que vi na música de tendências tropicais desde Caetano e Gil. Um quê de baiano,
na dose certa. Mineiro, mas não muito in, gosto do ex dessa pegada.
Extravagante, expansivo, extrovertido. Um viva a toda forma de amar: a parada é
multicolor, eclética e múltipla. Antes de tudo as cores vivas. Vivo no meio dos
vivos. As terras mapa mundi do Brasil, sem fronteiras. Quilombo oriental é um cristal.
Comunidade, experiência potente compartilhada com cada um que se aproxima do
Gusta. Eu sou com você Gustavito. La music avant toute chose, simbólico,
sentido, com muito sentido. Sinal verde, vai...
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