quinta-feira, 7 de junho de 2018

Gustavito, porta-voz de um belo horizonte



Escuto agora a música Amor e Paz de 2016 de autoria de Gustavito. Emocionado penso que o cara conseguiu resolver um dilema posto pra mim por Vinícius de Moraes. O poetinha na música em Tempo de Amor, afirma: “mundo enganador, paz não quer mais dizer amor”. E Gusta soluciona com “não é amor se não traz a paz”. Corta!
Há anos atrás, talvez 2010, não sei ao certo, numa conversa com um grande amigo, Rafael Martini, ele dizia que estava entusiasmado com um grupo de músicos com os quais estava convivendo. Rafa, que é uma referência musical de Belo Horizonte, dizia que era impressionante a frequência com que eles compunham canções de qualidade. Pra mim, escutar aquilo do Martini, era algo para ser levado a sério. Um grande compositor e arranjador como ele elogiar um pessoal assim era coisa rara.
Aos poucos fui entrando em contato com aquelas pessoas que ele comentava. Primeiro cheguei ao grupo Urucum na Cara. Infelizmente, não tive a oportunidade  de assistir a um show deles. Escutei algumas coisas na internet. Pela primeira vez, eu conhecia nomes como o do Gustavito, da Irene Bertachini, do Leandro César e do Paulo César, o Anjinho. Pouco tempo depois, por acaso, tive a satisfação de jogar umas partidas de futebol com o Anjinho e pude conhecer melhor o trabalho dele. Soube, então, que tudo o que eles criavam era gestado na Casa Azul. Um olho d´água belo horizontino.
Eu começava a entender o porquê do entusiasmo do Martini. Flores Maçãs é o disco do Anjinho, que tinha já muitas preciosidades e uma maneira independente de produção em seu cerne. Anjinho me explicou que ganhou coragem para produzir seu primeiro disco com o pessoal da Casa Azul e com outro amigo da turma, LG Lopes, que merece um capítulo à parte.
Bom, todo este preâmbulo foi para dizer que, neste percurso, conheci Gustavito. Fui a uma festa no bairro de Santa Tereza, se não me engano na casa de Flores Lopes, irmã de LG, e lá, pela primeira vez, vi o Gusta. A cena: um cara de barba despojada, com cabelos desgrenhados, estava jogado de maneira doce sobre uma menina bela de olhos verdes. Os dois riam muito. Uma imagem digna de Woodstock. Minha lembrança é de um sentimento alegre e bonito por conta da jovialidade e da descontração dos dois. Soube, então, que aquele era o Gustavito. Neste noite, o cara tocou o violão e destilou composições próprias e outras da tradição com muita habilidade. Corta.
Algum tempo depois fui ver o Gustavito lançando seu primeiro disco Só o amor constrói. Gostei muito do que presenciei, principalmente do afeto envolvido em todos que estavam fazendo o espetáculo. Dava para sentir uma áurea comunitária muito bonita ao redor do disco. Tudo trazia sinceridade para aquele título. Mas, para meu corpo, ainda não havia uma potência arrebatadora nas composições. Lembro da impressão de que faltava no disco uma certa consistência. Mais nas letras talvez...eu não via ali uma poética tão redonda e contagiante. Curti muito coisas pontuais. Adorei escutar o disco, mas  não o coloquei entre os da minha cabeceira. A música Juriti, um hit para aquela plateia, tinha uma força, um suingue, e uma composição cativante, que já apontava algo que, só mais tarde, percebi quando experimentei seus outros trabalhos.
Mais ou menos na mesma época, assisti ao show de um outro grupo que Gustavito fazia parte: O TiãoDuá. Ai sim me identifiquei completamente. O Power trio, ala Hendrix com Samba Rock, formado por Juninho Ibituruna, LG Lopes e o Gusta me comoveu bastante. Ali também havia parcerias com Anjinho. Um alquimia especial. A musicalidade Gustavito se ampliava para os meus ouvidos.
Antes de chegarmos ao segundo disco, Quilombo Oriental, é preciso contar de uma história que está no meio disso tudo. Neste intervalo, nasce em BH, junto com o boom do carnaval de rua, o bloco PPK – o Pena de Pavão de Krishna. Criado por amigos em comum, passei a encontrar com o Gustavito nos ensaios. Foi um momento maravilhoso de muita espiritualidade, os ensaios rituais. Comecei a conhecer uma grande pessoa, de espírito generoso, paciente e belo. Com uma musicalidade visível, Gustavito era central no ensaios, conduzindo com seu violão as harmonias e linhas vocais para que o grupo percussivo pudesse dar corpo ao repertório escolhido com muito esmero. Nascia pois uma mistura afrobrasileira, com uma mística indiana e indígena, raios de tropicalismo.
O bloco cresceu, ganhou as ruas e o público. Ensinou para muitos o respeito à canção como um fio condutor aos deuses. Rito, mito e ritmo. Com intuito de também criar seus hinos, músicas foram compostas para o bloco. Participei fazendo com o próprio Gustavito a canção Aflorou. Lembro bem que conversamos muito sobre a certeira mistura de tradições que se dava ali naquele terreiro, onde ensaiávamos debaixo de um abacateiro. E neste contexto frutífero, Anjinho nos apresenta Quilombo Oriental. Uma síntese perfeita da conjunção astral que se ali dava. Logo estas músicas, junto com Masala com Dendê, feita por Gustavito e amigos, tornam-se repertório do bloco. É maravilhoso reconhecer nestas canções uma antropofagia clara das culturas do sul do Equador. América do sul, África e Índia se confluem em cores solares e deuses variados com uma unidade estética. 
Gustavito, então, assume a grandiosidade de seu momento e do que vivemos com o bloco. Lança com os amigos da Casa Azul o disco Quilombo Oriental. Disco que tem uma beleza incrível. Tudo é extremamente amarrado e forte. A partir da ideia real do quilombo oriental, este trabalho ganha uma força conceitual muito bem lapidada. Não só as canções, os arranjos são extremamente desenhados por várias cabeças. E o coral, ah o coral, canal de ar para o espírito, as três meninas preenchem o etéreo com beleza:  o coral das meninas é demais. Todo o projeto do disco contribui, a arte gráfica e o cenário do show dialogam de forma precisa. Colagens mitológicas: A flor de lótus, as flores, a vaca, a zebra, o tambor. Altar e a Bença com as roupas de África.
Adorei. Eu realmente tenho neste disco um objeto de afeto. Foi das coisas mais alegres que vi na música de tendências tropicais desde Caetano e Gil. Um quê de baiano, na dose certa. Mineiro, mas não muito in, gosto do ex dessa pegada. Extravagante, expansivo, extrovertido. Um viva a toda forma de amar: a parada é multicolor, eclética e múltipla. Antes de tudo as cores vivas. Vivo no meio dos vivos. As terras mapa mundi do Brasil, sem fronteiras. Quilombo oriental é um cristal. Comunidade, experiência potente compartilhada com cada um que se aproxima do Gusta. Eu sou com você Gustavito. La music avant toute chose, simbólico, sentido, com muito sentido. Sinal verde, vai...
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