A experiência Cataia
Nessa virada de 2014, uma experiência me impressionou. A
experiência de ter conhecido uma comunidade chamada Cataia, no litoral sul da
Bahia Convidado por uma casal de amigos , Luiza e Theo, eu e Mariana fomos ao
sul da Bahia para passar o réveillon. E para nossa surpresa, que estamos prestes
a vida nova, com o filho que está por vir, tivemos uma entrada família e
esperançosa de ano novo.
Os antropólogos costumam classificar os grupos
indígenas pelo grau de contato que eles tem com o homem branco. Assim, existem
os grupos isolados, os de recente contato, os de contato de longa data, etc.
Com isso, eles distinguem povos como os pataxós da Bahia, que tem contato desde
a chegada dos portugueses, dos Yanomami, que só tem poucas décadas de contato.
Descrevo a vocês esse procedimento para propor que pensemos também a inversão
dessa maneira de olhar. O que eu gostaria é que categorizássemos nós, os
brancos, pela a proximidade que temos com as comunidades indígenas. A
dificuldade de se fazer isso é grande devido ao desconhecimento que nós temos
dos grupos indígenas que habitam ou habitavam nossas terras. Não temos
parâmetros para sabermos como eram os povos que descendemos. Essa é uma das
importâncias de conhecermos esses povos.
Um exemplo: os maxakali, povo guerreiro que resistiu a mais
de 350 anos de contato brutal e hoje são apenas 1500 pessoas e vivem numa
pequena porção de terra na região do vale do Mucuri. Quem tem a oportunidade de
os conhecer, sabe o quanto todo o povo daquela região tem traços dos maxakali.
É gritante a semelhança daqueles que vivem na paisagem que historicamente os
maxakali viveram, mas normalmente estes desconhecem e, pior ainda, desmerecem
essa cultura milenar da qual eles descendem. Assim como neste exemplo, diversas
regiões do Brasil são visivelmente marcadas por uma cultura indígena que ali
existia e, como são extremamente desvalorizadas, as pessoas que ali vivem não
dão a mínima para seus ancestrais ou simplesmente não conhecem, não tem
referencias para poderem perceber esse parentesco.
Voltando ao Cataia, comunidade que visitei,
gostaria de dizer dos porquês que eu fiquei tão emocionado naquele lugar. O
primeiro motivo é que descobri ali uma família maravilhosa. Trata-se de 12
irmãos que compartilham todos os anos aquele, digamos, pequeno condomínio.
Porém, não é um condomínio qualquer, desses que se formam ao redor das grandes
cidades, é um grupo de casas arredondadas(lembranças indígenas) que não possuem
cercas para separá-las e que normalmente ficam abertas, a não ser por conta dos
mosquitos. Não tive notícia de irmãos que fossem brigados. Mas se isso
acontecia era um faot menor. Cada casa se estrutura em torno de uma família, as
vezes com mais de um irmão convivendo na casa. Na casa de Luiza, amiga que me convidou,
habitavam seus pais, seu irmão e a namorada. Alem dela Luiza e meu grande amigo
Theo e sua irmã Laís. Os encontros festivos variavam de casa conforme o dia.
Como estávamos numa época festiva, essas não deixaram de acontecer nem um dia.
Os irmãos e amigos, que se deslocavam de suas casas, traziam sempre algo a mais
para incrementar a bagunça do dia, na casa escolhida. Um clima de fraternidade
que recordava uma congregação espiritual cristã, indígena, budista ou, mais
especificamente, um encontro alá Vinicius de Moraes. Relembro nosso grande
poeta por conta da vida que ele levou e sempre teve orgulho de falar, assim
como o cantante Marcelo, pai de Luíza, que com muita alegria volta e meia
afirmava: “tenho essa casa faz 7 anos e ela nunca foi trancada”. Coisa rara nos
dias de hoje.
Como eu dizia acima, gostaria agora de
classificar o Cataia quanto a sua proximidade com o que entendo de culturas
indígenas. Claro, com a minha visão, observei semelhanças com uma sociedade
indígena. Eu poderia dizer que é uma comunidade semi-indígena, ou dito de outra
maneira, que não negou certas raízes indígenas, com um certo conta mais
recente. No meu sonho utópico, viveríamos muito melhor se nossas cidades não
tivessem descartado tanto o modo de vida indígena e incorporado tanto as
maneiras de viver europeias e, mais recentemente, norte-americanas. Creio que
toda a América tem ainda a possibilidade de gerar maneiras de viver diferentes
das oferecidas pelas cidades tais quais existem hoje. No Cataia, pude viver
concretamente diversas formas destas, que chamo de utopia, mas que ali eram
experiências reais.
Para começar, uma das coisas que chama atenção, é visível,
mesmo que não seja totalmente consciente, talvez por conta das características
do próprio ambiente, tão próximo do mar. O fato é que as pessoas se vestem
somente com o necessário: as roupas de banho. Não sendo usual usar sapatos e
calças, quanto mais as ditas “roupas sociais”. Nadam e tomam duchas sempre que
o calor aperta e as crianças correm soltas entre as casas. O peixe é comprado
dos pescadores da cidade de Nova Viçosa e assados na brasa. A cerveja e o
tabaco estão sempre presentes. Entre as árvores, há redes para que as pessoas
descansassem na sombra. Na casa de Luíza, as redes estão até dentro de casa. E
independente da riqueza de cada família o importante é que todos desfrutassem
de tudo, havendo portanto um compartilhar de comida. Vale o destaque para tudo
o que nos rodeava ali, o que chamamos natureza. Uma palavra para tanta coisa.
Para resumir, uma pequena reserva ambiental, digna de museu do Louvre.
Por essas coisas e outras, eu podia sentir ali
uma comunidade descendente dos povos que ali viveram. Eram dezenas de povos
naquela região do sul da Bahia e Teófilo Otoni. Ainda hoje vivem naquele região
os índios pataxós, mas infelizmente com cada vez menos terra e muito pouco
acreditados. De toda maneira, no Cataia, eu via uma sobreimpressão. Estava
sobre-impresso ali na minha sensação de alegria, uma comunidade não-indígena e
uma indígena e, porque não, com harmonia. Apontando para uma modo de vida do
futuro e não do passado. Concretizando uma utopia minha, que cresce sempre
proporcionalmente com minhas pesquisas sobre os povos indígenas, e que poderia
muito bem servir de devir.