quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Marcos Sarieddine: minha vida por um amigo

Uma vida por um amigo. Assim seria o romance que eu escreveria para este cara, uma narrativa sobre ele e, simultaneamente, eu. Somos amigos por gerações, parentes por afinidade, desde que nascemos. Sempre estivemos juntos. Nossos pais eram amigos, todos eles psicólogos, éramos uma certa comunidade. Brincamos aos 2 anos, antes dele passar uns 4 anos na França. Depois que ele voltou, estamos juntos. Fizemos praticamente tudo-juntos nesta vida. Brincamos muito, conversamos, aprendemos, pensamos e gozamos a vida. Foi Miojo, por conta do cabelo, Marcoso, coso, zette, que sua irmã trazia da França e por fim nanquim e kim, pra mim ficou kim. Preponderantemente i e também zen com ares de chinês.
Uma das primeiras memórias que tenho são suas meias trocadas, cada uma tinha uma estampa e ele não notava. Ou não se importava. Marca de sua personalidade. Tivemos grupos vocais para apresentar em festas quando criança (Os taiobas), viajamos muito para a praia e para o interior. Conversamos sobre tudo, nossas paixões, as platônicas e as do corpo e sobre o cosmo. Compartilhamos o pensar a vida no dia a dia. Certa vez, numa praia, um menino gari trabalhando se aproximou e perguntou o que fazíamos. Eu disse que estudava literatura, as histórias que as pessoas contam, Marquinhos respondeu que estudava filosofia. O menino fez cara que não entendeu o tal de filosofia. Marquinho então continuou perguntando ao menino o que é? O que é você? O que você pensa que é você? O seu ser?  O menino estranhou aquelas indagações e partiu em disparada...
Um dos grandes ensinamentos que tive estando ao seu lado, se deu quando sua mãe morreu. Tínhamos em torno de 13,14 anos. Sua mãe teve câncer, e já depois de algum tempo, se encontrava no hospital ciente de que morreria. Marquinhos passou com ela estes momentos finais. Quando nos encontramos ele estava sereno. Eu não me continha com aquela injustiça divina e ele estava ali, seguindo seguro. Horas depois conversamos e quando eu perguntei sobre o que ele tinha pra si naquele momento, respondeu que havia conversado com sua mãe, que era budista, e que ela estava bem. Ela dizia estar tranqüila pois ele era um menino bom e criado.
Optamos também juntos pela arte. Que eu me lembre cursamos juntos escolinha de futebol, kung fu, a universidade, mas o que de alguma maneira sempre nos colocou juntos foi a arte. Vendo filmes, trocando livros, tocando violão ou pensando e escrevendo poemas juntos. O consumo de maconha acompanha este período que se inicia com a arte. Sempre estivemos juntos fumando e cantando. Claro, sem muito rigor nos estudos, mas nos deliciávamos com as canções. Todas nossas viagens tinham um violão. É verdade que pouco compusemos. Marquinho me parece uma pessoa sem ambição. Zen no sentido de um certo desapego, sem vaidade. Claro que ele tem lá suas composições, porém ele não se mostrava apaixonado por compor taradamente. Não apega demais e também não sofre. Poucas as vezes inclusive vi Marquinho sofrendo agudamente. Tampouco brigar. Nós mesmo, discutimos, de leve, uma vez. Aprendi com esta estabilidade dele.
Para o novo disco que a turma prepara, kim tem duas canções maravilhosas, além de outras coletivas. A primeira é “Alucinado” onde ele conta de uma forma beatlemaníaca uma viagem de ayahuasca com reflexões filosóficas. A segunda é uma chanson française chamada “les choses de la vie” feita com o Bruno Leal, que o kim é extremamente feliz nas imagens e na métrica da letra.
Agora, o que ele gosta, gosta mesmo, é de amar a mulher. Considerado calado, ele sempre se exaltou ao ver ou conhecer uma garota. Naqueles momentos víamos muito de sua inteligência. Conversava sobre qualquer assunto, bem e confiante. Posso dizer que desenvolveu sua arte com as relações. Uma de suas músicas clássicas neste sentido é “Samba para Joana”, onde ele conta no vai e vem do samba a tristeza de uma paixão. Desde que conheceu a Carol, ele se apaixonou. Fazia questão de estar na reunião que ela estaria. Hoje eles têm a Leila, que retoma o nome de sua mãe tornando a roda da viva a girar.
Claro que o desejo pelo saber também sempre foi um ponto de encontro forte. Tivemos grupos de leitura de Freud, lemos com os amigos peças do teatro Grego. Tivemos o prazer com os Vagabundos Iluminados de publicarmos nossos próprios livros de poesia e fomos uma pessoa só com o Miguel.

Um amigo, o amigo, a grande definição de amigo. O que vivemos juntos. Talvez por este motivo ficamos tanto tempo lado a lado em silêncio. Como diz o poema de Leminsk, chamei um amigo para um chá, ele veio, ficou meio a esmo e ficou por isso mesmo. Sempre nos encontramos pelo próprio sabor do encontro. Muitas vezes sem objetivo, só pelo simples desejo de estarmos juntos, uma volta para comer um sanduíche e uma resenha do dia.

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