terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Uma dose de Martini




Era uma noite especial em Diamantina. Primavera de 2014. Depois do show “Noturno” de Marcos Braccini, eu reencontrava com um amigo: o Volum’s, mais tarde, denominado formalmente como Rafael Martini. Se não me engano fazem quase 10 anos que não passávamos uma noite juntos, claro, nesse tempo tivemos rápidos encontros esparsos, mas realmente fazia muito tempo que não exercitávamos nossa amizade.

Fomos para um bar extremamente afetivo para o Rafa, um bar musical chamado Meio Tom. O bar é de uma irmã torta dele, mas essa é uma longa história. Uso torta por conta da expressão usada na noite para definir rapidamente a relação. O importante é que eles se amam e tudo engrandecia aquele encontro. Momentos antes o Rafa havia dado uma entrevista para um documentário sobre o noturno de Braccini e dizia o quanto minha amizade com ele aproximou os dois. Tudo extremamente simbólico.

No passeio do Meio Tom bebiam várias pessoas em mesas na rua, quando ouvimos o piano no andar de cima. Eu, já um pouco embriagado, subi e logo voltei a ver aquelas mãos. Como num grande flashback cinematográfico, recordei das diversas vezes que vi aquelas mãos tocando. Primeiro foi o violão onde meus olhos pousaram sobre aquela mão. Praticamente iniciamos juntos na arte do violão. Mas o Rafa, claro, continuou estudando determinadamente. Uma cena marcante pra mim aconteceu numa noite em que ensaiávamos na casa dele no Jaraguá, nos idos de 1999, para a banda que tínhamos no Colégio Técnico onde estudávamos. O objetivo era tocar a música Haiti de Caetano e Gil. O Rafa trabalhava firme para tirar a canção e eu olhava sem entender bem os caminhos que ele percorria. No fim, depois de algumas idas e vindas, cantamos juntos emocionados. Nem sei se sabíamos a grandeza daquela letra.

Sempre foi mágico ver o Rafa tocando, não sou só eu que penso assim. A torcida do Atlético e do Cruzeiro, caso conhecessem sua música também concordariam comigo, mas não acho que é isso o que interessa pro Rafael Maritni. E sim o que Hermeto está fazendo, seu amigo Felipe José ou o Gustavito. Quem está compondo o quê, com que qualidade. O Rafaé antenado em tudo que acontece ao seu redor e com grande sensibilidade sabe dialogar. Sempre fiquei encantado como ele falando de músicas populares, canções simples, que eu não imaginaria que ele escutasse. Como um júri de festival da vida musical que analisa a harmonia e a melodia do que se produz por aí, mas sem competição, só deleite, intercâmbio e fascínio.

Destes 10 anos pra cá o cara arranjou uma sonora paisagem nova para BH. É um monstro entre aspas. Maestro da geração. Impressionista como um Debussy, um Ravel ou mais brasileiramente como Tom ou Noel. Gotas, ventos, sensações, preguiça de dar Sono, plainar. O Motivo do Rafa dá gosto. Engrandece o estado da música entre nós.

A mão que eu falava continuava tocando piano no Meio Tom. Naquele momento o Rafa tocava Led Zeppelin. No Quarter? Uma mística nos envolvia. O Led que ele tornou-se cover ainda no colégio. Cantava como ninguém. Quem diria. Abalava o saguão da escola. A primeira vez que ele apareceu pra nós foi cantando Bem que se quis, que na época bombava na voz de Marisa Monte. Claro clichê. Tínhamos 16 anos.

Mão que aos poucos, por conta de toda a sua história com o pai ausente, descobri negra. Mão grande, cheia e de dedos longos, com um formato que identifiquei em outros grandes músicos. Mão que tão ritmicamente sincopava, repicava ao piano tocando o Pato Preto, já com a banda Quebra-Pedra. Inclusive, este é um outro capítulo. Rafa e Loló. Leonora Weissmann. Se não me engano os dois se conheceram nesta época. A banda deles foi fazer uma residência na fazenda de minha família. Por lá talvez tenham composto, por lá Loló pintou árvores.

As mãos, então, passaram a mais uma música e eu já estava na sala de Tetê, a Terezinha mãe do Rafa. Lá lanchamos diversas vezes, muitas delas cantando. Ali também ensaiamos um grupo de música infantil que projetáramos. Criamos uma personagem que não esqueço: Mariana Pirata.

Lá pelas tantas da noite, a mão acelera no Jerry Lewis e as mesas cedem espaço, os corpos passam a dançar. Toda uma noite ao piano. A irmã torta só ajeitando as coisas para tudo sair o melhor possível com uma alegria com tudo. Naquela noite nossa história rememorada sem uma palavra, apenas música. Um grande filme dirigido por aquelas mãos que, graças a Deus, têm aquele coração maravilhoso para coordená-las.

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