quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pelos Roteiros Ambientais

Ainda não estamos carecas de saber sobre a antropofagia proposta por Oswald de Andrade. Mas muito se sabe e para minha surpresa outro dia conheci uma menina de Jaboticatubas em Minas Gerais que sabia muito do modernismo brasileiro, e mais, ela falava com paixão.
Demorou que eu entendesse a Poética Pau-Brasil. No início, ela era só mais uma matéria de escola. Só mais tarde, eu fui descobrir, quando eu já trabalhava com os índios, a importância do que Oswald pregou. Uma poética do concreto e grandiosa pela simplicidade. Em diálogo direto com as várias tradições e futurismos. Ligada ao cinema e com elogios irônicos ao cinema americano de ação. Uma poética que nos rendeu o nome câmera eye, proposto por Haroldo de Campos?
Olhar que vê concretamente como o índio observa o mundo.Olhar de pontos de vista, de perspectivas. Cada corpo uma perspectiva. Olhar-cinema que vai montando tudo como Eisentein. Poética do frame que clamava pelos roteiros. E os roteiros o que são? São concatenações de cenas. As cenas são descritas com substância que só o substantivo dá para frase. Não são as idéias abstratas, os verbos e advérbios que nos colocarão em movimento, mas os roteiros. Roteiro de coisa, de quem é concretista mesmo antes dos ideogramaticos concretos:

Amor
Humor

“Somos conretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias, pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.”

Essa é a primeira descoberta minha de Oswald. Os roteiros. O cinema, o índio, a poesia. Uma forma de ver fazendo o mundo, ação e não a idéia. A câmera eye então passou a percorrer livros e rever hai-cais, poemas de paisagens e filmes. Os documentários entram na dança, será que Oswald pensou neles? Maria Gabriela Llansol amplia os corpos presentes com a possibilidade de colocar na poesia pau-brasil o espírito do pau. Corpo-espírito. E os índios concordando, claro, os espíritos, eles são as coisas, e elas se transformam.
Posto isso, veio esses dias, de repente, um novo caminho para o olho que já gravava com sua lente-câmera. Vi por meio de uma ambigüidade a possibilidade do roteiro ser mais do que uma criação artística. Ser mais do que uma estética brasileira: ser o próprio Brasil enquanto paisagem.
Por acaso ou destino, fui lecionar em uma escola de meio ambiente, onde muitos dos alunos são guias, ou seja, eles conduzem os outros por trilhas. Numa aula sobre a antropofagia, quando fui descrever-lhes as idéias que eu tinha de Oswald e pronunciar com vontade o slogan “Pelos Roteiros” tive um insight. Por causa da minha mudança de ponto-vista, tendendo a ver com os olhos dos alunos, li roteiros não mais como um cineasta e ou poeta. Entendi que no roteiro esta a rota e a rota é o caminho e quem o percorre tem sua experiência. Um plano seqüência que não é idéia, ele se faz na caminhada, no deslocamento mesmo da pessoa, na outra perspectiva. E quantas trilhas estão por se fazer neste imenso Brasil. Ou como diria Oswald, neste mapa mundi Brasil.
Muitos Brasis, muitos. E porque não termos nossos guias florestais ao invés dos guias de museu. Um Louvre Amazônico, um D`orsey Nordestino e o Pantanal Gughemhein. Ainda por cima, recordei já em estado de euforia os roteiros que escreveram Manuel Bandeira(Guia de Ouro Preto) e Mário de Andrade (Turista Aprendiz). E como tudo começa a confluir leio a frase que Nino Frank usou para definir Oswald “como todo abridor de picadas, é irônico, audacioso, duro, preciso”. Será então que ele ou eles sabiam disso todo tempo? Estavam eles adiantando o Brasil da floresta, o Brasil dos recursos minerais, o Brasil onde se trilha um roteiro e se apaixona por um outro tipo de progresso, não o progresso das cidades e das indústrias. Mas o progresso de quem adentra a floresta por uma rota, o progresso de pensar, sentir e ver como um bicho. O progresso de um Brasil antes de tudo de indígenas, que sempre guiaram as gentes que aqui chegaram a procura de ouro. Traçando os roteiros bandeirantes. Brasil de indígenas que construíram aqui o coração do mundo, donos da tecnologia da água e do ar puro. Progresso de quem tem sensibilidade por olhar, por ver os paus brasis do Brasil. Povos que tem a câmera eye como método e não o ideal do amor à natureza, mas há natureza em si.

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